Desculpe

Eu não deveria escrever-lhe coisas tão hostis, tão agressivas. Perturbar-lhe com meu despeito e minha saudade.

Eu, sinceramente, gostaria de dizer que faria tudo diferente. Mas não posso, porque eu não acredito nisso. Eu não consigo mentir. Não mais.

Não tenho tantos sonhos, e os antigos andam a me abandonar esses tempos. A desilusão desse nosso fracassado enlace e doloroso desenlace talvez sejam os principais responsáveis, ou talvez eu tenha passado tanto tempo me preocupando com a não perda, a não mágoa e o não rancor, que acabei por me esquecer de amar. Não de amar no coração, mas na vida, nas práticas diárias das coisas mais simples e íntimas que podem duas pessoas dividir.

Eu sou essa infame vil e descrédita, porque não soube te cativar uma vez mais. Ou uma vez. Egoísmos a parte, poderia acusar-te dos mesmos erros, mas, pra quê? Acaso mudaria a realidade do nosso tempo? Acaso aplacaria a cinza distância dos que sofrem e sangram pelos seus amores perdidos?

Eu não tenho amores. Não tenho nada, pois a mim me bastam os dias bons e ruins que contigo vivi. Lembranças do que se pode sentir. Ora, do que se podia sentir...

Hoje não me dou ao luxo de imaginar-me de mãos dadas com o amor. Firulas de casal. Luas lindas, estupidamente românticas. Vejo-as como grandes ilusionistas, tal que enfeitiçam pessoas em todo o mundo. E as fazem sofrer, mais dia menos dia. Claro, se não pela dor da imperfeição humana, pela morte certeira. Comigo, aconteceram ambas as agruras. Com homens iguais e diferentes, é verdade. Doídas e iguais.

O que não muda em mim. Sou planta linda, frondosa e florida; sorrio e balanço ao mais suave vento. Mas, olhe direito, e verá algumas gotículas de orvalho, teimando em pingar, principalmente em manhãzinhas de dias frios, como hoje. Lágrimas nem sempre são públicas! E às vezes, de tão secretas, passa-se por elas sem se dar conta da dor de quem as chora. “A dor da gente não sai no jornal”. E nem por isso dói menos.

Não é de todo ruim virar uma mulher triste e sem amor. Há a razão, senhora de tudo, acima de todos; por sua vez, companheira da lucidez, mãe das boas escolhas. Não há que se queixar da dor, se se vê futuros promissores, romances furtivos, livros exatos. Teses de professores renomados. E vazios. Um dia, quiçá, sem nem orvalhos em folhas murchas.

O que era apenas um desabafo, virou um fragmento metafórico e subjetivo. Eu nem sei se diria o sentimento de outra maneira. Agora só sei cantar assim, sem rima e sem verso, tristeza e saudade.

Saudade de hoje.

Saudade de sempre.

Mais uma vez, me desculpe.

Desculpo-me a mim, por não saber ser tão só.

Peço-lhe que não sejas como eu: não sejas infeliz no amor. Ainda há arco-íris na volta pra casa, de manhã, entre cidades vizinhas e conhecidas. Acredites que em algum lugar possa haver mais que ilusões coloridas. Realidade rosa, sonho verdadeiro, família feliz, filhos fortes. Amor.

Se ainda acreditasse, pouca coisa, que fosse, pediria a ti, que mostrasse a mim, uma vez mais, beijos lindos, noites de ontem, sonhos de nunca pra mim. Ilusão, meu caro!

Nem tu poderias mentir, nem eu conseguiria acreditar em fé e oração. Não peço, então.

Perdão.

Não sejas, meu Amor, tão silêncio e chuva. Pedra sem vida. Salgueiro triste.
Sejas sol. Azul e mar. Lentes de contato mel e nariz de palhaço. Algodão-doce e pipoca Gulosinha. Arrulho e balbucio de criança de manhã. Pôr-do-sol em fotos. Pegadas e corações na areia. Vida. Apenas.

Sejas, assim, mais feliz que eu.

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