VONTADE

Estava a pensar, a lembrar daquela mensagem de hoje à tarde. Alguma coisa na televisão sobre Siribinha, você me avisa. Pra quê? Já faz tempo que não nos vemos. Pra você, um mês. Pra mim, centenas, infinitas noites, intermináveis dias à espera de presenças suas.

Enquanto tento entender os porquês que não têm resposta, e ainda decidindo qual o meu estado de espírito pós-sms, você me liga.

– Oi! E aí?

– E aí?! Como assim, “e aí”?! Olhe, seu filho da puta,... vá tomar no cu e não me ligue nunca mais. Eu te odeio tanto por ter sumido esse tempo todo, por quase me enlouquecer de saudade e sem notícias... Como é que você me vem cumprimentar como se nada tivesse acontecido?! Como se fôssemos “coleguinhas”? Acaso ficou maluco? Eu não quero a sua amizade, eu não quero a sua compaixão, eu não quero o seu telefonema espaçado! Vá pra casa do caralho, que é o seu lugar...

– Ah, você tá pensando o quê?! Eu aqui, entre os seus, fotos e cheiros espalhados por todo canto, esse povo a olhar e a perguntar sem nada dizer, esse seu fantasma a me acompanhar, um mundo a me torturar, e você, simplesmente, depois de todo esse tempo, me “liga”? Não, meu caro, eu não posso com isso. Cadê a nossa conversa? Onde estão os nossos erros e acertos? Onde você está que não vê as minhas grossas lágrimas caírem todos os dias de manhã, antes de dormir? E ao acordar?

– Porque não respondeu as milhares, centenas de mensagens, queixas, despedidas, decisões que te escrevi toda noite, sem te enviar, inúteis que são? Não. Você não tem esse direito.

– Exerça, sim, o direito de estar aqui, comigo. Eu preciso de você, não aguento, não consigo!... me salve! Não suma assim... eu não sei ser sem você...

Era o que eu queria ter dito. Mas nada disso saiu da minha boca. Fiquei, respiração suspensa, fingindo uma frieza natural, que de tão artífice gritava o meu amor, a minha mágoa e a minha saudade por todos os lados. Talvez eu tenha me saído bem, embora tenha enfatizado umas duas, três vezes, irônica e cinicamente, o grande “milagre” da sua ligação. Sou uma covarde. E você, um grande cretino.

A nossa conversa não existiu. Não dissemos o que queríamos, não ouvi o que queria, não tive você aqui. Trivialidades e notícias do cotidiano não me interessam; a ti, tampouco, a minha vida lhe traz alguma informação relevante. Mas, ficamos assim, por alguns minutos, a aprofundar o vazio, a aumentar a distância, a afastar inutilmente o amor latente e a saudade reclamante. Os assuntos nem têm mais validade. Se esse telefonema acontecesse na semana passada, saberíamos coisas em comum, estaríamos mais perto, poderíamos nos ver. Se fosse há duas semanas, quem sabe não combinaríamos um tempo juntos em lugar nenhum? Se fosse ontem, talvez planejássemos o novo carnaval com gosto de lua de mel numa praia deserta, qualquer uma, nada importa. Ou numa cidadezinha antiga, com a família. Gosto nosso...

– Oi! Você tá me ouvindo?

– Sim, claro...

– E esse silêncio? Parece que não tem ninguém...

– Mas eu estou aqui. Continue.

E você continuou. A vomitar novidades, a alfinetar ciúmes leves de uma viagem que não sei se vou. Eu mal consigo me olhar, quiçá sair de mim... parece até engraçado te ver testar a minha audição. Eu ouço bem a sua falta, gritante, nos meus planos. Os outros sentidos vão indo também. Enxergo ainda você seguindo o seu caminho, a sua vida, longe dos meus afagos. Nas minhas mãos, sinto contumaz as milhas e milhas da sua pele em outras paragens. Respiro fundo, e minha lembrança olfativa me mostra que o seu perfume já não divide os nossos ares. E na minha língua, não há o deslizar da sua boca, seus pelos, seus olhos, seu eu em mim. Está tudo funcionando, piloto automático, funções vitais. Mas, cadê a alma, se não durmo?

– Só liguei pra dizer “oi”.

– “Oi”, pra você também. Fica com Deus.

– Beijo.

Desligo o telefone, e nem sei como conseguimos conversar tanto de nada. Olho em volta, e não me vejo. Respiro fundo. Nasce a palavra, que nada entende. Mas registra o agitar desta mente e desse coração nus.

Hoje tinha ainda tanto a dizer, nada a declarar, que eu nem me esforcei pra te colocar a par das boas novas. Só tenho notícias passadas. A velha novidade é a minha grande rotina.

A mágoa, renovada a cada ausência sua, é a minha companheira. E o amor, morto-vivo, nasce e morre, noite e dia, dia-noite, entre os afazeres urgentes e a saudade teimosa, descarada, miserável. Essazinha aí vive a rir e a chorar da minha insistência, da minha relutante teimosia em não te deixar passar.

Eu, meu caro, não passo sem você.

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