Das loucuras e dos lutos
Estou com sede de verdades. Fome, fome mesmo, eu só
tenho das verdades inteiras, dessas de tontear quando é ruim, de cansar as
bochechas e tirar o sono, quando boas. Preciso mais das boas, mas, por ora, as
ruins também têm sido bem vindas. Mas não me venha, por favor, com verdades
pequenas, verdadezinhas, essas pseudoverdades meia-boca. Eu não sou amiga do
acaso, do convencional e do meeiro. A intensidade é meio como eu, dói tudo, ama
sempre, grita aos cantos mais longínquos o seu sentir. E não me importa se faço
birras de criança, se me afogo, ébria, às vezes. É daí que saem as melhores
lições, porque é preciso ter alma, muita alma pra aguentar as consequências de
se ser livre. E preta. E antissociedade óbvia, hipócrita e suja. É isso mesmo.
Não há como ser dada a convenções.
Eu tentei, sabe? Mas essa merda não era pra mim, não
era pra ser. Então, liga-se o foda-se bonito, pulam-se as ondinhas da minha maré
seca, com direito a afogamento e mudez do celular e tudo. Não fui eu que escolhi,
mas, já que é assim, sigamos. Não se sabe muito bem como, nem pra onde, mas é
sabido o porquê. Não me venha com essa de foi melhor assim, porque minhas
trezentas fases de luto não entendem isso muito bem. Estou vivendo todas, ao
mesmo tempo, da pior forma possível: sofrendo. Irracionalizando. Excluindo. Eu
quero minhas verdades, não importa! Ainda assim, me dê, me venda, barganhe
comigo todas, mas as quero de todo e qualquer jeito. Serão elas, nuas, lisas,
rascantes e diretas, a me esbofetear, a me consolar. Conversinhas meio-pau não
me interessam. Sai fora! É hora de fragmentar tudo, expurgar, ser espelho e
campo de força transparente, pra que se possa se cuidar também na dor, na
lágrima, no vazio. A vida não tá nada fácil pra ninguém, e eu nem tenho mais
alma pra dar, porque boa parte dela se foi no primeiro luto da minha vida, mais
um pouco tem ido com os onze, e o restinho que
sobrou dei pro penseiro.
Pronto, Zelina, não me venha me pedir alma, tesão,
falta de ar, porque estão em falta, e as que estão disponíveis no mercado não me
servem. Também não estou recebendo almas de ninguém. Foram todas pseudofalsas.
Guarda, então, suas mentiras só pra ti mesmo, dá pra quem quiser essa porcaria,
e eu apenas sigo cuspindo no prato que comi. Lamento mesmo, não era pra ter
sido. Quem morre é quem perde a vida, e sua avó, Zé, está muito mais do que
certa. E com a sobrevida, se perde o quê, se ganha quanto? Preferindo não dar
nem receber nada por uns tempos. Estamos em horas de reclusão, reflexão e
pensamentos. Meus sentimentos a mim mesma, diria, se pudesse. Mas não posso, é
mais que preciso voar. É imperioso e necessário ter asas, asa delta, biquíni de
lacinho, praia, sol e luta de todo dia. Vive-se num mundo capitalista, de
carros alheios quebrados e despesas na poha do meu bolso. É um mundo onde não
há espaço pra meu mau humor, pra minha cara fechada e pros meus erros.
Ninguém erra, tá todo mundo acertando sempre, e eu sou
a escolhida pra alvos de pedras pseudossantas, nem deveria usar essa porcaria
de palavras três vezes, ah, não quero saber de beleza por aqui, estou muito
puta e digo o que quero. Ah, me deixe, viu? De saco cheio, precisando dar uma
brincada com as coisas pra ver se tudo fica mais leve, chegando de leve, mas
está tudo muito pesado, não estou conseguindo desligar, tirar o peso. Mas vai
sair, não se morre, só se vai um pouco, talvez muito, talvez quase tudo. Mas
ainda estou aqui, sambando desvairada em cima da minha sujeira que estava
guardada embaixo do meu tapete. Vou queimar esse tapete inútil! Comprei pra me
enganar, pra não me deixar ver, não adiantou nada, veio tudo muito mais sujo
ainda. Acho bonito... Ficar marcando passo e mostrar que estou correndo, que já
foi, que já fui. Ainda sou, está tudo aqui, agora com o pouco mais de peso e
fios brancos escondidos nas tintas capilares. Mas tenho dignidade de verdades.
As dei, todas, a ti, como nunca antes, e agora sobra essa angústia filha da
puta. Tira essa mão daqui, retira sua sombra, e que eu vá a algum lugar. Depois
penso pra onde. Agora, nada. Fico aqui, só aqui, vivendo essas fases, todas
juntas: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão, aceitação, negação de
novo, mais um pouco de depressão, pouco isolamento, raiva pra caralho, dúvida,
umas pitadas de saudade, um quê de tristeza e bastante, bastante isolamento de novo.
Aprendi com Baudelaire que “solidão é estar só no meio da multidão atarefada”,
e é dessa verdade que vivo.
Em meio ao mundo, vou me levando, solitaríssima, de
superlativo. Loucuras. Essa, a maior Verdade, é o que me resta. E é o que eu
quero. Ponto.
Engraçado que, imediatamente, antes de ler seu fragmento, postei: "se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria."
ResponderExcluirEngraçado mesmo, eu ri!
Depois chorei. A gente distribui alma demais...
Tudo que precisamos é desse estado desalmado do seu texto, estado que só existe nele, eu sei.
Pelo visto, pausado, acabado, eu anseio, o estado de espera, raiva é o que tem pra hoje. Que seja, então!
"Ninguém erra, tá todo mundo acertando sempre, e eu sou a escolhida pra alvos de pedras pseudossantas, nem deveria usar essa porcaria de palavras três vezes, ah, não quero saber de beleza por aqui, estou muito puta e digo o que quero. Ah, me deixe, viu?"
ResponderExcluirducaralho, como sempre.
Beijo, poeta.
Sim, Zuri... raiva e muita insônia são o que temos para hojes. "E haja hoje para tanto ontem". P. Leminsk.
ResponderExcluir"Li seu texto: Uma verdade: você já esteve em melhores dias. Voltará a estar, certamente. Outra verdade: os onze não são onze. São no máximo, nove. Última verdade: sigamos, porque é o que a vida pede sempre."
ResponderExcluirVejamos:
Terei dias melhores, "certamente". E você acertou essa!
números!... No final, duas verdades vindas de olhos distintos. Contamos errado.
A última: essa é boa! Há que se seguir, escolhendo ou não. Mas é uma verdade abstrata, e é por isso que Zelina não a tem deixado em paz. Fizemos dela um novo mantra. E tudo continua em aberto. Não seria uma meia-verdade?