Negação



 Esses dois últimos anos não existiram.
O Rio foi só meu, as fotos são todas minhas. Do meu luto, da minha saudade, cuido eu.
O penseiro também não se foi, porque ele está muito presente em tudo, e o movimento é sempre constante, continua, muitas vezes, partindo dele. Hoje mesmo, me vi, Zé, pensando, com você, como seria o meu dia sem ele. Muita coisa não teria existido, concebido, se perdido, se achado equivocadamente. Eu estou feia de errares. Mas não estou, porque não existiu, nunca. Estou realmente muito puta de mentiras.
Então, meu caro, isso não existiu, e eu quero minhas cores e minhas dores de antes. Eu não quero aquela despedida com samba, eu nunca ouvi aquela cuíca tão linda, e eu nunca te vi chorar, Dog. Eu também prefiro ver Stella Maris abrindo o verão, com Josi no céu e nós na rede, lavando a alma e os fígados. Meu coração seguindo uma busca, um amor, uma saudade de tanto tempo. Eu vi um reggae dos quatro, não vá ainda antes que eu chegue aos cinco.
Aquela quinta, aquela pré-véspera nunca existiu, e eu não vi os seus, os meus, tantos, tanta gente aos prantos. Nem tive medo de não ver Miguel, não posso dizer isso à minha preta, ela não aguentaria. Nem vi o meu próprio choro, porque eu não tive motivos, só fui sorrir e visões das sacanagens que era a nossa vida juntos. Eu precisaria, hoje, de mais um conselho seu, de mais um verão, de ir pra lavagem do Bonfim, pra arembepe, tomar umas, a qualquer hora. Eu preciso de mais um trieto, de ensaios no andar de cima, que porra é essa?! Isso, sim, existiu. E eu não quero perder nada.
Eu preciso do meu sofá velho, com ventilador de teto pra você ficar mais confortável, mais um cafezinho, precisa sim, brother, eu sempre te tratei bem aqui. Tá com fome? Eu faço um miojo, apenas me diga como vai ser mais um ano de política louca, de antropologia em São Lázaro, de vida acadêmica de merda, de dividir minha rotina contigo.
Eu acordo pra ver a lua de unha, pode me ligar, e eu não tenho mais peão, não importa, esses peões meia-boca, bem se vê que sou muito pra caminhões quebrados, a lua é linda, só pra nós dois. Ah, eu sempre achei muito piegas isso de nossa música, mas tudo bem, a gente sempre foi muito brega. Ou era eu, e só eu não vi?
Isso de conselhos precisa existir, eu preciso ouvir uma vez mais coisas de positividade e de futuros, porque a existência dos todos ruins estão tirando todo o viço, está tudo muito opaco, e eu acho incrivelmente estranho fazer fragmentos nos lugares com essas pessoas que não são a onda. Preciso da sua onda, do nosso Penseiros, das nossas reuniões, das nossas brigas. Existir é tão abstrato, e eu quero que tudo exista, que loucura essa cadeira vazia, bicho! Onde estão as marés?
As vodkas e as originais não são mais as mesmas, nem os balcões, ah, o Sorria... por isso, eu prefiro, sigo negando tudo, está tudo igual, como antes, como todo mundo, como você.
E eu não sei dizer, Zé, porque Zé beatiful é algo tão tosco e tão engraçado, e tão fofo, e tão estúpido de ser, e você nem chora mais, é uma nova Zé, virou Mormon sei-lá-como-se-escreve, virou estudante, virou feliz, e continua linda, apesar das sabotagens. Eu não tenho a sua resposta, você que é de Deus deveria já ter se aprumado, se conjuntado, eu também, que sou essa bosta inconformada e louca.
Hoje foi um dia daqueles, e eu me vejo em você, de choramingos patéticos por aí. Eu sou o que nunca fui, uma errante, uma garotinha, bem burra, está tudo desabitado, e aquela festa de Candeeiro também nunca existiu, eu não quero ver aquelas fotos, nada disso faz sentido algum, meu Deus!
O tapa na cara deveria ser em mim, não há chão, não há estrelas, não há casa. Essa música é vazia, desculpa, é Bethânia, maior, e grande demais pros meus lamentos, mas é ruim. Estou mais pra Nuvem negra, e ninguém vai mais dizer que sempre foi tão sua. Agora é toda minha, Zé, e desse inverno. 
Parece que nem vi o verão chegar. De trancas e revoltas também se vive. Salobrando de vida, vida sem água, viver sem mar. Cadê o sal?

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