UMA CARTA INSENSATA


A todo o tempo, se eu pudesse, escreveria algo. A minha cabeça está o tempo todo pensando num novo fragmento, sobre um monte de temas e assuntos. E em tempos de perdas essa minha vontade de escrevinhar coisas fica mais aguçadinha, e eu só queria que isso desse algum dinheiro, mas não. Serve, e muito, pra dar uma desafogada nos quereres e nas saudades. E só.
Sim, porque são muitos! Alguns doem mais, outros, já nem tanto. E tem os de sempre, os de todo dia. E a minha sensibilidade hoje me aguçou pra umas lembranças boas. Trouxe umas imagens de um tempo que poderia ser trazido de volta se houvesse mágica capaz. Por mim, traz, com menos idade e mais chocolate, e um quê de madrugadas, insônia, sexo e tudo. Foi um tempo de escolhas puras, e de coração entregue como jamais será novamente. Pois é, eu não tenho mais vinte e poucos anos...
Um dia me chamaram de poeta da saudade, e eu não tinha entendido se era elogio ou crítica, mas importa que coube, encaixou, porque eu vivo e morro sentindo falta das coisas, nostalgicamente poetizando a minha melancolia em dias de altos e baixos ou medianos eus. Às vezes não, às vezes não gosto de ser assim, tão olhando pra trás. Cansativo, pesado, viver lamentando o que foi bom, o que se perdeu, o que se deixou de escolher, de ganhar.
Mas hoje é um dia de saudade amena, de perfumes com gosto e cheiro de mar, nascer do sol e fábricas de sonhos. Ontem essa saudade se chamava esperança, mas agora ela apenas é, sabe-se lá o quê.
Sejamos realistas: por mais que se queira, por mais que se ame, por mais lindo que tenha sido, não pode mais ser. Não posso mais pegar essa carona, meu bem, pois que te vejo em outras praias, outras igrejas, outros verões. Nenhuma reza te traria de volta com todo aquele brilho, todo aquele café passadinho, a qualquer hora, com leite e muito açúcar que você tanto gosta, e nem que eu preparasse mil vezes o seu prato preferido, ainda que fosse em dia de festa, você seria meu de novo. Não, não daquele jeito. De um jeitinho todo meu, que ainda coubesse em nós uma expectativa velada de futuro, de um amanhã inteiro, inteirinho de sorrisos e felicidades.
Algumas amizades já são novas, mas não te viram, e jamais terão a dimensão do que fomos. E da grande besteira que fizemos em não morarmos ainda um no outro, de caminhos partilhados, de músicas divididas e completudes inexplicáveis. E nem adianta perguntar tanto, voltar e ver se conseguimos achar a peça que falta, porque a conexão agora é outra. It's over. Em mim, tento um pouco não sofrer, porque o tempo até ameniza, mas não apaga nada, e nem tira coisa alguma do lugar. Só acalma e serena, e fica um doídozinho em vontades de te dar um pouquinho de rotina, inútil e indelevelmente impossível de ser na afobação de um telefonema.
Ontem a praia poderia até dizer, se pudesse, da falta que o meu domingo sentiu de ti, e de quase tê-lo visto entre aquelas pedras, aquela manhã, aquele sol. Aquele beijo era tão nosso, que eu guardei ele em mim, e juro que quase posso senti-lo em dias de felicidade. Mas não, agora são de outro tempo, outras saudades, outras vidas. É triste te ver em outras histórias, e isso até me levou a fome de pizza caseira, veja só: eu não tenho mais apetites noturnos quando vejo essas fotos, esses lugares, esse batom. Não está na minha boca, não está na minha estrada, e Siribinha nunca foi tão longe e ao mesmo tempo tão linda. Eu não combino mais com essas coisas, e não sei se combino ainda com você, mesmo que eu super me esforce, super acredite que o perdão e o amor poderiam me dar a ti, e você a mim, de novo. Pra sempre, talvez? Cadê o eterno em vidas separadas?
 Ilógica essa minha saudade, sem nexo esse meu querer bem... essa minha insistência, teimosia adolescente, veja que loucura, pensar que seremos um caminhar de novo. Pode até ser bonito, pode até virar poesia, mas, real, não é. E eu só não te convido pra mais uma dança porque de orgulho e de vergonha se constrói um pingo de dignidade.
Veja bem: não é por falta de coragem, é apenas por falta de espaço, e por ver na obviedade que a sua dança segue noutro ritmo, noutra batida, noutro samba. Eu sei que vou ficar por aqui ainda com a minha intolerância musical, e com as mesmas letras, as mesmas músicas. Eu gosto de saber que, embora hoje sejam só minhas, tudo isso já foi meu e seu um dia, e tudo isso me faz rir, me faz pensar numa nova poesia, num novo sono, no desejo de uma nova corujice madrigal. E esse trocadilho não tem nada de farra, não tem nada de profano, não tem nada de insensatez, não tem nada de mal feito. E você não precisa pedir perdão, não por isso.
Aliás, insensato é o meu coração, que quando deseja um alguém pra ser perene, só bate assim por você. Um bem e mal tão doce, tão gostoso mas tão tolo, que ainda me machuca um pouco, mas volta e meia me dá um tantinho de juventude, de fé e coragem pra ver o amor além, o amor a dois, o amor ao sol, mesmo estando frio, e a previsão do tempo aponte pra frentes e fundos de chuvas e baixas temperaturas.
É uma pena, sabe? É tudo muito seu, e vai ficar por aqui. Vou cuidando, vou guardando. Quem sabe um dia tudo isso não se ache, se encaixe de uma outra maneira?
É mais que um dois alto, não é uma brincadeira.
É apenas um desconcerto de mim, que não sei o que fazer com isso de te amar ainda.

Gilda.
20.08.2013.

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